top of page
Por Amanda Amorim, Camilly Picioli e Vivian Alencar
.
.
.

 para fã

De fã

Fanarts do Wolverine, de X-Men, de Doctor Who, de Instrumentos Mortais e outras.
Fotos Alex Fernandes, Camilly Picioli e Vivian Alencar.

Você provavelmente já viu, rodando pela internet, uma imagem de um determinado personagem de desenho animado como se estivesse no mundo real, ou de um ídolo em uma gravura que ilustra algo impossível de se acontecer. Estas ilustrações são as famosas “fanart” ou “fan art”, obras de arte criadas por artistas apaixonados que se baseiam em coisas já existentes, na fantasia e em histórias diversas. Através de suas imaginações, colocam essas pessoas ou personagens em situações inimagináveis sob o contexto da obra original; às vezes, podem ser até representações fiéis ao original. De uma forma ou de outra, elas são incríveis aos olhos de quem as admiram.

O termo pode ser usado tanto pra artes criadas com base em mídias visuais, como filmes, histórias em quadrinhos, games e outros, quanto por fãs de pessoas reais. O termo ganhou destaque através de artistas amadores, que as produzem mais por hobby do que por trabalho (mas não se engane, a fanart também pode ser um trabalho!).

As duas coisas se encaixam para o artista Daniel Bogni. Ele trabalha com comissões, o que significa que ele é pago para produzir tanto fanarts quanto obras totalmente originais. Ele conta sobre a diferença ao fazer as duas: “Eu mesmo sou muito mais exigente comigo quando estou fazendo uma fanart. Por eu gostar muito da obra original, eu quero sempre fazer algo que esteja pelo menos próximo do que aquilo representa pra mim”.O termo tem origem na língua inglês. "Fan" se refere ao indivíduo fanático por determinado assunto; e "art" a "arte", composição artística como desenho, ilustração, pintura etc. Ela pode ser feita de múltiplas formas diferentes, desde ilustrações como um retrato realista do objeto até obras digitalizadas. É uma forma de expressão criativa baseada no produto original e preenchida com diversos fragmentos criativos de seus autores.

Originalmente, as fanarts eram usadas como termo para indicar o trabalho de um artista, que não era necessariamente um profissional da área, mas que se empenhava em criar novos trabalhos com base nos tópicos do qual era fã. Esse tipo de ocupação era tipicamente encontrada em fãs de gêneros como ficção cientifica ou fantasia. Estes admiradores realizavam pequenos encontros e distribuíam os chamados “fanzines”, um certo tipo de revista com suas artes. Nesses encontros, eles podiam compartilhar suas obras com outros entusiastas.

Essa prática se tornou mais popular na década de 1970, quando o fandom da série “Star Trek” começou a realizar suas próprias convenções e fanzines. Nelas, havia também notícias sobre bastidores da série, cartas de fãs com suas artes para os envolvidos do programa, e até a comercialização das fanarts de um fã para outro.

À medida que a tecnologia avançava, foi ficando mais fácil pra esses entusiastas desenvolverem melhor suas habilidades nas criações e divulgarem para um público maior. A chegada dos computadores, a impressão em casa e o avanço da internet desenvolveram um papel importante para fandoms, já que assim eles podiam compartilhar seus trabalhos através de sites, fóruns e fanzines online. Aqueles que não possuem grandes habilidades de desenho, mas que também compartilhavam dessa paixão, podiam agora se arriscar através de programas de computação como o Photoshop, manipulando imagens já existentes para criar algo surpreendentemente novo. Hoje em dia, essa ocupação existe em muitos formatos diferentes e, embora ainda exista um mercado limitado pra isso, até hoje fanzines tradicionais são realizadas mundo afora. Ou seja, com ou sem tecnologia, a fanart resiste.

grande parte dos portadores do material original que inspiram essas ilustrações parece não se importar tanto com as atividades desses artistas. Aliás, muitos até estimulam, já que, de certa forma, este é um método de “publicidade gratuita” e em alguns casos uma forma de conseguir produtos sem recorrer a grandes empresas. Foi o caso da banda Thirty Seconds to Mars, que pediu aos seus fãs, este ano, que criassem fanarts para uma disputa de ilustrações, e a vencedora seria a capa de seu próximo disco.

Todavia, é inquestionável que essas obras vêm ganhando cada vez mais fãs. Seja comercializada ou não, é, antes de tudo, uma obra que deve ser respeitada.

É algo criado por alguém apaixonado,

com o intuito inicial de mostrar seu fascínio por algo que ama.

E não pense que por ser algo baseado em assuntos de outro criador, significa que você pode plagiar ou roubar: sempre peça a autorização do artista antes de usar seu trabalho em qualquer mídia.

E quanto ao direito autoral?

Essa é uma questão frequentemente debatida pelos apreciadores dessa arte, e nem sempre tão fácil de ser respondida, pois difere de um país para o outro. Em diversos casos, uma única imagem pode estar diretamente ligada a duas ou mais nações. Porém, como um todo, um fato regular nas leis globais que cercam esse tema é que a fanart é considerada um “trabalho derivado”. Logo, quem mantém controle dos direitos autorais dessas obras são os donos dos direitos originais do personagem, propriedade intelectual ou universo ilustrado. O artista, então, não deve exibir o trabalho sem a permissão do criador original, e obviamente não deve vender o produto sem uma licença pré-estabelecida.  Entretanto, muitos dizem que a fanart é um trabalho transformador, que se inspira em algo existente e o transforma em algo com um novo propósito através de um olhar nunca antes imaginado. Portanto, isso seria legal, dentro de seu direito como artista. 

Uma terceira perspectiva aponta que

Onde encontrar Fanarts

Se interessou pelo assunto e gostaria de ver mais fanarts?

Existem diversas galerias online conjuntas e páginas individuais de artistas e entusiastas dessas obras. Abaixo estão algumas das mais populares da internet, para que você possa se inspirar e conhecer mais desse estilo artístico que vem conquistando tantos corações:​

  • Deviantart

  • Harry Potter Fan Art Gallery

  • MediaMiner

  • Animexx: Fan Art Gallery

  • Fanart Community in Live Journal

  • Art Visual – Fanlore

A intolerância artística surpreende e divide opiniões, mesmo em 2017

Quadro da série  Criança Viada, de Bia Leite, exposta no Queermuseu

Só é arte se for a sua?

.
.
.
Por Alex Fernandes, Amanda Amorim e Camilly Picioli.
Foto Reprodução Bia Leite.

A intolerância artística não é, nem de longe, uma novidade dos nossos tempos, mas é difícil acreditar que ela está retornando com tanta força em 2017.

Temos dois exemplos para ilustrar isso. Em 10 de setembro o museu Santander cultural de Porto Alegre fechou a exposição Queermuseu, após diversos protestos que a acusavam de promover a pedofilia, zoofilia e ir contra os bons costumes. No mesmo mês, outra polêmica ainda maior: a apresentação "La Bête", do artista Wagner Schwartz, foi alvo de manifestações agressivas e acusado, também, de promover a pedofilia. Neste caso, houve violência nos protestos ao Museu de Arte Moderna (MAM), onde a performance foi apresentada.

Em ambas as situações, a crítica tem a ver com a presença de crianças nesses ambientes. Faz sentido, já que crianças não devem ter qualquer contato com genitais adultos. O problema foi o quanto essa crítica foi se transformando em censura.

O Ministério Público Federal (MPF) do Rio Grande do Sul recomendou ao Santander que a exposição Queermuseu fosse reaberta, mesmo que com novas medidas informativas. No texto, o procurador Fabiano de Moraes afirma que o fechamento da exposição causa um efeito deletério a toda a liberdade de expressão artística, ainda menciona que este tipo de ato faz lembrar-se de perigosos períodos de censura, como o da Alemanha nazista. O Santander recusou a recomendação.

Com La Bête, o MAM não teve problemas de informação, já que a nudez do artista fora avisada e a apresentação era fechada. Eles também não cancelaram coisa alguma. Mesmo assim, iniciou-se uma investigação, considerando que a instituição não deveria permitir sequer a entrada de crianças. Algumas pessoas defendem que isso não era obrigação do museu, mas da mãe que levou e incentivou a filha a participar. Outras defendem, ainda, que a mãe não feriu os direitos da criança e apenas resolveu cria-la da forma que achava melhor.

Entre todas essas discussões, é fácil encontrar comentários problemáticos nas redes sociais. “Isso não deveria ser financiado com dinheiro público”, "arte é coisa de esquerdista" e suas variações, além de uma série de outras provocações que saem totalmente da questão da pedofilia. No fim das contas, parece ser apenas intolerância ao tipo de arte que não é compreendida facilmente. Há até quem diga que arte é só o que é belo – e isso não poderia estar mais distante da verdade. A arte existe para representar, provocar, agradar, desagradar e chocar.

Não é de hoje que algumas expressões artísticas são vistas com maus olhos, e até proibidas, de acordo com o quão explícitas elas se apresentam. Foi o caso de Tom of Finland, um artista finlandês que desenhava cenas homoeróticas entre os anos 1940 e 1980. Ele é considerado uma das razões pelas quais os homens gays da época passaram a ser vistos de forma mais sexual, máscula e até fetichista. Ele publicava sob pseudônimos e seu trabalho foi censurado ao longo de toda a sua carreira. Atualmente,

um filme sobre sua vida foi produzido, e deve entrar em cartaz em breve, mas qual será a reação do público?

Essa é uma pergunta cada vez mais difícil de responder. Muitos nomes do cenário artístico brasileiro estão se manifestando para proteger a arte do moralismo latente. Um deles é Marcello Dantas, diretor artístico, documentarista e um dos maiores curadores do Brasil.

Uma rápida entrevista com Dantas mostra que sua visão, assim como a de tantos outros da área, é bem diferente do que das pessoas que se agitaram com as exposições “criminosas”. Sobre a nudez e sua exposição, por exemplo, ele comenta:

“Tem uma diferença enorme entre nudez e erotismo. Nudez é uma coisa extremamente saudável e não tem nada de erótico nisso. Ver David de Michelangelo nú nunca foi um problema pra ninguém. Boa parte da arte religiosa do mundo contém nús. O poder da nudez não é necessariamente o poder do erotismo”.

E quando há crianças no meio, como no caso de La Bête?

“Não vejo uma gota de pedofilia nesse assunto. Que um artista esteja representando um ato histórico da cultura brasileira, desde o período colonial, não significa que ele está envolvido em realizar esse ato; assim como um diretor de cinema que faz um filme sobre assassinatos não está cometendo o crime”.É claro que nem todos concordam com esse ponto de vista. Legalmente, também, é uma discussão delicada. O doutor e professor de Direito na USP, Eduardo Tomasevicius Filho,

aponta para os riscos de lesões ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“A psicologia estabelece que a criança e o adolescente precisam ser apresentados paulatinamente a assuntos relacionados ao sexo, ou com as devidas adaptações. O mesmo se diga no direito, que reconhece que estas são pessoas em desenvolvimento (ECA, art. 6o). Logo, não se pode considerar que, em conteúdos eróticos, a mesma obra de arte seja adequada simultaneamente para adultos e crianças ou adolescentes”.

O professor indica os pontos do ECA que são feridos com exposições como La Bête.

“Existem dispositivos legais que estabelecem a proibição de comercialização de materiais de conteúdo erótico a crianças e adolescentes (ECA, art. 81), a hospedagem de criança e adolescente em hotel ou congênere desacompanhada dos pais (ECA art. 82) e pune-se criminalmente a pedofilia e a troca ou comercialização de materiais envolvendo crianças e adolescentes (ECA, art. 241, caput, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D)”.

 

Entre os pontos de vista de Eduardo e de Marcello, há uma discrepância óbvia: o que é erotismo na arte?


Que o erotismo é inapropriado para crianças é fato (e é lei). O grande problema é a definição disso no contexto artístico. E não há como ignorar o contexto em qualquer situação que seja. Por exemplo, se a nudez por si só for absolutamente criminosa, o que dizer de milhares de casas nas quais adultos e crianças se veem nus diariamente, sem qualquer tipo de

interação pedófila? Na arte, então, como possibilitar que assuntos considerados tabu

sejam discutidos, se a mera menção deles já é motivo para proibição?

É exatamente aí que reside o perigo. A diferença entre o que é percebido por duas

grandes parcelas da sociedade suscita brigas e, muitas vezes, censura. A História mundial mostra que a arte censurada é um enorme indício de momentos totalitários e pouco humanistas, nas mais diversas nações.“Nunca vivi algo semelhante a não ser no Brasil dos anos 70. E, mesmo assim, ali havia um jogo de sedução entre a inteligência dos artistas (como Tom Zé e Chico Buarque) e a burrice dos censores”, afirma Marcello Dantas. “Existe uma onda conservadora mundial, e só vivi um auto-cerceamento semelhante na Rússia, onde as pessoas censuram o próprio pensamento por medo de envenenamento”.

É extremamente preocupante que a situação brasileira lembre governos tão problemáticos, no que diz respeito a liberdades sociais e individuais, como a Rússia ou o regime militar.

O perigo da censura é que, à princípio, ela parece correta. Ela chega como uma solução, nunca como um problema, e consegue o apoio de milhares, até milhões. O Papa Pio IX, em 1857, ‘castrou’ estátuas de homens nus por acreditar que elas provocavam luxúria; os nazistas, na Segunda Guerra Mundial, queimaram pilhas de livros que não seguiam sua ideologia; o Estado Islâmico, atualmente, segue destruindo patrimônios culturais do Oriente Médio para tentar reescrever sua história.

Todos esses exemplos se encaixam na pauta de intolerância artística e não estão tão longe daqui. Dezenas de pessoas se sentiram à vontade para ameaçar o MAM com violência depois de La Bête, e mais centenas apoiaram o ato pelas redes sociais.

O prefeito de São Paulo, João Dória, destruiu grafites que eram reconhecidos em toda a América Latina, para deixar a cidade ‘mais limpa’. Essas ações podem parecer pequenas, mas são a porta de entrada para reações cada vez maiores.

Eduardo lembra que a liberdade de criação artística, ainda que não seja absoluta (como nenhum direito é), é garantida pela Constituição Federal (CF, art. 5°, IX).

O importante é se comunicar com a população de maneira que ela não seja a razão para a censura.

Marcello acredita que o papel dos artistas, da imprensa e até de mais setores da sociedade é de esclarecimento. “[o papel é] dialogar, esclarecer, ouvir, iluminar. Não existe outro caminho dentro de uma democracia”, afirma o curador. “O mundo das artes precisa entender que está desarticulado e mal representado, e que precisa se comunicar melhor com a sociedade em geral”.

Os dois exemplos recentes que mencionamos tornaram-se mais do que apenas obras casuais. Elas também escancararam o conservadorismo brasileiro em sua atual conjuntura. Concordando com elas ou não, fizeram exatamente o que a arte deve fazer: incitar a reflexão.

Foto Divulgação MAM.
Foto Reprodução Agência RBS.
Fotos Vivian Alencar.

Documento 16

Uma análise atual sobre ficção científica e seu papel na cultura pop

.
.
.
Por Alex Fernandes, Amanda Amorim e Camilly Picioli.

Um homem liga a televisão para assistir ao noticiário noturno. Uma série de reportagens é apresentada.

Organizações internacionais estão debatendo os limites éticos na inteligência artificial de robôs. Dois governos poderosos estão ameaçando a segurança do planeta com bombas de destruição em massa. O Nobel de Física vai para cientistas que conseguiram ouvir ondas gravitacionais vindas do universo. A Conferência Geral sobre Pesos e Medidas vai redefinir a medida oficial de um quilo. Um repórter apresenta a tuatara, um réptil que é considerado um fóssil vivo da época dos dinossauros.

Essas parecem notícias futurísticas que caberiam em alguma obra fictícia, mas são todas verdadeiras e recentes. Para a sociedade no geral, as semelhanças são interessantes. Para os fãs de ficção científica, elas são inevitáveis e provavelmente assustadoras.Ficção científica é um gênero cujos conteúdos se baseiam em conceitos científicos e no impacto das tecnologias, no futuro ou no presente. Isso o diferencia do

gênero fantasia, que, por sua vez, usa enredos sobrenaturais e sem explicações lógicas. As histórias quase sempre incluem viagens no tempo, vida extraterrestre, aventuras pelo espaço na velocidade da luz e mais.

Ainda assim, a definição exata do que é ficção científica é mutável, assim como seu impacto na cultura pop. Como já dizia Lester del Rey, um dos grandes escritores desse estilo do século XX, “é difícil dar nome ao que não tem limites”.

Bárbara Prince, produtora editorial da editora Aleph, fala sobre isso: "O gênero tem diversas definições e infinitas discussões sobre a sua classificação. Eu gosto de uma definição de Isaac Asimov [um dos maiores nomes na área], segundo a qual a ficção científica mostra as reações da sociedade às mudanças na ciência e na tecnologia”. A Aleph é a principal editora de livros de ficção científica no Brasil, e até ela varia bastante no tipo de publicação. Bárbara continua, lembrando de mais um grande nome entre os publicados por ela: “Também acho fundamental lembrar o que disse Ursula K. Le Guin: que a ficção científica não trata do futuro, e sim do presente, da nossa realidade. São livros com alguma mensagem sobre o mundo em que já vivemos”.

Ao longo dos anos, a indústria foi descobrindo as brechas pelas quais era possível faturar (e muito) com o gênero. Ainda que possa existir um certo aproveitamento, a maioria das pessoas não vê isso como um problema. “As ficções científicas contemporâneas ainda apresentam reflexões super pertinentes e interessantes (como ‘A Chegada’ e ‘Black Mirror’), e é ótimo que cada vez mais gente tenha acesso a isso”, Bárbara comenta. “Mesmo os filmes feitos para grandes massas e produzidos pelos gigantes da indústria cinematográfica, como é o caso de Star Wars, têm seu valor artístico e conseguem causar grande impacto na vida das pessoas”.

É a mesma opinião da jornalista Thais Aux, fundadora do Doctor Who Brasil. “Existe, hoje em dia, uma ascensão dos gêneros de fantasia e ficção científica, principalmente com os filmes de super-heróis e nova saga de Star Wars, mas isso não faz com que a essência se perca. Os estúdios estão em sintonia com o que os fãs querem, e todo mundo sai ganhando”, afirmou.Se Star Wars é o maior exemplo de sucesso da ficção científica no cinema, Doctor Who é o maior exemplo de série televisiva, ao lado

Livro Como Star Wars Conquistou o Universo, de Chris Taylor, publicado pela Aleph
Stormtrooper, de Star Wars, na IV Feira Intergaláctica da Aleph
Fotos Amanda Amorim.

de Star Trek. Para quem não conhece, um resumo: Doctor é o nome dado para um alien viajante do tempo e do espaço, que a cada episódio deve salvar o universo de alguma maneira mirabolante, geralmente acompanhado de uma humana.

Parece muito para você? Para milhões de fãs ao redor do mundo, Doctor Who não

só está na medida certa, como também manteve seu público por mais de 50 anos. São quase 40 temporadas no total, um filme, séries spin-offs e dezenas de conteúdo do universo expandido, além de milhares de produtos relacionados que,

por si só, já movimentam milhões de dólares. Com tudo isso, a série se tornou um marco do gênero. Thais reconhece o impacto: “Ao longo de seus 53 anos, DW tenha inspirado muitos criadores - diretores, roteiristas, quadrinistas e afins - a criar suas próprias obras de ficção científica e fantasia, seja de forma direta e indireta”. Um desses foi Rick and Morty, desenho de 2013 que traz muitos elementos de

Doctor Who e De Volta para o Futuro, mas de uma forma bem menos politicamente correta.

O que todas essas obras têm em comum é o tipo de questionamento que elas trazem. “Toda obra de ficção acaba levantando questões morais. A série Star Trek também

é uma obra de ficção científica que levanta questões morais o tempo todo. O gênero é só o pano de fundo para trazer à tona essas questões”, esclarece Thais.

A jornalista e mestre em Science Fiction Studies pela Universidade de Liverpool (Inglaterra), Cláudia Fusco, acredita também que a busca pela ficção científica tem a ver com a busca humana por conhecimento. “A partir do momento que a gente sabe mais, que a gente compreende mais o universo e o mundo em que vivemos, já estamos um passo adiante”. E essa é a grande ‘pegada’. Ela continua: “Há um conceito de estranhamento cognitivo. A ideia é que, quando você entra numa história de ficção científica que é boa mesmo, você vai encontrar elementos ali que te perturbam, te confundem. Só que, ao contrário da fantasia ou do horror, essa cognitiva vai te fazer buscar entender, porque ali tem uma lógica, uma mecânica por trás”.

Seja em Doctor Who, Star Trek, Star Wars, Rick and Morty ou clássicos de Isamov e de Ursula K. Le Guin, sempre há um motivo por trás das histórias e personagens um tanto ‘extrapolados’. Delas surgem discussões sobre fé versus ciência, estados totalitários, preconceitos contra minorias, avanços tecnológicos, inteligência artificial, e a própria essência do que é ser humano.

Nem todos os questionamentos sociais são percebidos facilmente

Com o avanço da ficção científica, parte do público passou a consumir o gênero sem pensar muito no que há por trás dele. Isso é verdade especialmente na sétima arte. “Eu acredito que acontece muito de os filmes de ficção científica apelarem para muita ação e efeitos visuais impressionantes, o que é normal e não necessariamente ruim. Mas muitas vezes a reflexão trazida pelos livros do gênero não é transposta para os cinemas”, aponta Bárbara. “Por isso, mesmo que os espectadores gostem de filmes como Eu, robô e Eu sou a lenda, eles muitas vezes não ficam sabendo das ideias originais por trás daquelas histórias, da real motivação dos personagens e dos questionamentos trazidos pelos autores”.

Por vezes, essa falta de percepção faz com que os fãs nem mesmo percebam que estão reproduzindo as problemáticas que as obras criticam. Por exemplo, o machismo sempre foi um problema latente nesse gênero, bem como em tudo que tem a ver com a cultura geek e nerd.A jornalista e editora do canal literário Who’s Geek, Gabi Colicigno, usa a princesa Leia, do Star Wars, como exemplo. “A Leia é interessante justamente por ser uma princesa. Se você pegar as princesas até então, elas eram apáticas. Então você tem a Leia, que é uma personagem muito marcante”. Só que, ainda assim, a presença feminina continuou sendo um problema recorrente na franquia. “Nós temos mulheres escrevendo bastante no universo expandido, mas precisa de mais mulheres lá

dentro [da história]”, Gabi afirma, lembrando que nos filmes oficiais os únicos papéis de destaque de mulheres são de Jyn Erso (em “Rogue One”), Rey (que surgiu em “O Despertar da Força”) e a própria Leia.

Bárbara se mostra atenta a como as pessoas estão encarando as mudanças, ainda que elas sejam lentas. “A comunidade nerd ainda está longe de realmente respeitar a diversidade e dar voz às minorias.

Muitas pessoas consomem histórias que tratam justamente de diversidade e aceitação, mas não absorvem as mensagens e continuam sendo preconceituosas”. Ainda assim, ela é otimista, reconhecendo que personagens femininas boas estão sendo cada vez mais exploradas em filmes, séries, livros e games do gênero.

Thais também vê com otimismo essa questão. Recentemente, foi anunciado que a atriz Jodie Whittaker vai se tornar a protagonista de Doctor Who e, apesar de muitos fãs se mostrarem incomodados, ela percebeu que a maioria está levando a mudança positivamente. “Os fãs da série viram a transformação como algo natural, afinal é normal o Doutor mudar de corpo.

É verdade que houveram reações negativas, mas isso também aconteceu com Peter Capaldi na época que ele foi anunciado, pois ele era ‘muito velho’ (e na época de Peter Davison, pois ele era ‘muito jovem’)”. Preconceitos com idade, aliás, também são exploradas em algumas obras da área.

Fotos Camilly Picioli e Alex Fernandes.
Gabi Colicigno, Bárbara Prince e Fabiola Forchin em bate-papo sobre personagens femininas em Star Wars
A ficção científica não é sempre bonita

Arthur C. Clarke, autor que deu origem ao filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, afirmou que “a ficção científica trata de coisas possíveis, mas que não gostaríamos que acontecessem, enquanto a fantasia trata de coisas impossíveis, mas que gostaríamos que acontecessem”. Ainda que não seja uma limitação exata, é uma boa forma de ver este gênero.

A ficção científica não existe unicamente para maravilhar, ainda que esta seja, muitas vezes, uma de suas facetas. Ela existe também para assombrar, representar, provocar e, principalmente, alertar.

O escritor e editor Thomas Schulze, em um artigo para o site Play Replay, percebeu algo brutal na produção de ficção científica mundial: ela surge quando mais precisamos dela.Muitas das maiores obras do gênero foram criadas no século passado, entre guerras mundiais e ‘imaginárias’ (como no caso da Guerra Fria). Com a chegada dos anos 2000, essa produção diminui significativamente, até mais ou menos 2010. Então, a nova

década veio com uma série de novos problemas.

“A problemática que vivemos nos anos 2010 não é tão clara, óbvia ou preocupante quanto uma bomba nuclear, mas nem por isso deixa de ser perigosa. Da desigualdade social ao terrorismo, da vigilância do Estado onipresente às pessoas colocando suas vidas em aparelhos celulares, da manipulação de massas ao preconceito, passando por cruzadas descerebradas em busca de justiça social, há muito material inquietante por aí digno de inspirar grandes filmes e séries”, Schulze afirma.

O pior é que, atualmente, a ameaça de bombas nucleares voltou a existir, por parte (novamente) dos Estados Unidos e da Coréia do Norte.

É claro que esses filmes, livros e afins não são o suficiente para impedir que os transtornos mundiais sigam em frente,

mas podem servir de aviso. Não há nada melhor do que o retrato de um futuro espantoso para nos fazer prestar atenção no presente.

Quer mergulhar no universo da ficção científica?

Se você tem interesse, mas nunca soube por onde começar, confira uma lista de alguns dos maiores clássicos deste gênero. Vale lembrar que, quanto mais antigo, menos impressionantes são os efeitos especiais, mas isso não significa que não valha a pena conhecer. Ah, e procure saber mais sobre os livros que inspiraram essas obras, também!

FILMES:

O Dia Em Que a Terra Parou (1951)

Planeta dos Macacos (franquia; 1968 – 2017)

2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968)

Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1978)

Alien (franquia; 1979 – 2017)

Blade Runner: O Caçador de Androides (1982)

De Volta para o Futuro (franquia; 1985 – 1990)

Jurassic Park (franquia; 1993 – 2018)

Independence Day (1996)

Matrix (1999)

Donnie Darko (2001)

V de Vingança (2005)

Ela (2013)

Interestelar (2014)

A Chegada (2016)

 

SÉRIES:

Doctor Who (1963 – 1984; 1985 – 1989; 2005 – presente)

Star Trek (1966 – presente)

Arquivo X (1993 – 2002; 2016 – presente)

Smallville (2001 – 2011)

Lost (2004 – 2010)

Battlestar Galactica (2004 – 2009)

Heroes (2006 – 2010)

Black Mirror (2011 – presente)

Orphan Black (2013 – 2017)

Rick and Morty (2013 – presente)

The 100 (2014 – presente)

Sense8 (2015 – presente)

Westworld (2016 – presente)

The Handmaid’s Tale (2017 – presente)

bottom of page